Lobisomem a caçada
Caçadores caçados – Caçando Lobisomens
Lobisomens são predadores naturais, velozes, vorazes e perigosos. Este relatório, feito em conjunto com o Clube de Caça de Tóquio, é o que há de mais moderno sobre eles. Houve um grande esforço por parte das duas equipes para estudar as lendas de lobisomens como retratadas por Hollywood, mas parece ter sido um desperdício de tempo em grande parte. Quase tudo que nos foi apresentado sobre estas criaturas mostrou-se falso.
Infecção por Licantropia: As boas notícias são que as lendas européias destas criaturas infectarem os outros com suas mordidas são exagerados. O Agente Simons não aparentou inclinação de se tornar um lobisomem ao ser exposto à lua cheia. A sua quarentena durou 60 dias e não houve qualquer mudança em sua psique ou físico.
Balas de Prata: As balas de prata funcionam, na verdade, funcionam muito bem. Ainda assim, lobisomens são muito difíceis de matar.
Regeneração: As capacidades regenerativas destas criaturas são muito surpreendentes. Apenas dois dias depois dos órgãos sensitivos terem sido removidos do Indivíduo 4, os olhos, orelhas e nariz haviam crescido novamente e estavam em pleno funcionamento. Adicionalmente, contato com prata produz uma reação similar a aplicação de um concentrado de ácido. Os indivíduos 2, 3 e 12 não se recuperaram dos ferimentos, e ambos 8 e 9 morreram neste estado. Não são recomendadas jaulas de prata para conter estas criaturas. No caso do Indivíduo 8, queimaduras acidentais no pescoço e membros são, aparentemente, a causa de morte. Essa alergia à prata parece variar de indivíduo para outro. Para o Indivíduo 11, prata na temperatura ambiente produz os mesmos resultados que um maçarico. Fascinante.
Relações com humanos e Lobos: Estes seres são capazes de assumir a forma humana e poderiam ser relacionados até mesmo através de sangue, mas é difícil de dizer com qualquer certeza. Eu tenho minhas dúvidas sobre as relações sangüíneas: Vários reverteram a uma forma humana quando mortos, enquanto outros se transformaram em lobos, e alguns permaneceram no que eles eram quando morreram.
Supressor emocional: Essa droga é uma nova aliada no combate aos metamorfos ela previne o seu usuário de ser afetados pelos efeitos do Delírio e Véu dos Lupinos. Entretanto elas não apagam da memória do caçador o que ele viu ou presenciou. Acreditamos que o caçador que é bem sucedido em destruir um lupino pode ser assolado durante anos ou mais com os pelos pesadelos resultantes daquele encontro. Um vidro contém 30 capsulas. Cada capsula tem efeito de 24 horas.
Outras armas: Os tasers de 500-amp funcionam muito bem para incapacitar estas criaturas, mesmo assim, em alguns casos, leva mais de uma carga antes deles sentirem.
Teleporte? Felizmente o incidente com o Indivíduo 7 foi aparentemente um caso único. Ele desapareceu de sua cela, nós estávamos certos de que ele voltaria com reforços. Nós estávamos certos, e nós estávamos preparados. O que nós não esperávamos, foi que todos apareceram na cela de onde o Indivíduo 7 escapou. Nós ainda estamos trabalhando para saber como o Indivíduo 7 desapareceu e reapareceu, mas nós não estamos próximos a uma resposta. O agente Yoshi acha que a criatura se tornou um gás pesado e saiu pelo piso, mas a única diferença entre esta sala e as outras foi a presença de um espelho de observação. Por que, então, os outros não deixaram suas celas de forma similar e por que eles voltaram todos no mesmo lugar? Eu estou apenas contente porque Yoshi armou os guardas com prata no evento em que os demônios voltaram.
Era uma noite fria no povoado de Asgard, o velho bárbaro Hagnar sentado em torno da fogueira, contava histórias de bravura e conquistas para as pequenas crianças saxãs quando foi interrompido subitamente por gritos desesperados seguidos de rugidos ferozes. Hagnar levantou-se de espada em punho apenas para vê-la voar pelos ares junto com seu braço direito arrancado pela mandíbula do colossal monstro negro que havia investido velozmente contra ele. Ao cair gravemente ferido ao lado do fogo, antes de perder a consciência, ele ainda pôde ver a matilha dizimando os guerreiros e arrastando as mulheres para dentro da mata escura.
Os dez caçadores chegaram à aldeia junto com os primeiros raios de sol montados em seus vigorosos garanhões brancos, em um reconhecimento rápido do terreno logo constataram que se tratava de um ataque dos filhos de Fenris, o Deus Lobo.
Os guerreiros eram imponentes e vestiam túnicas de couro adornadas em bronze, usavam grossas peles de ursos como se fossem capas, dos cinturões pendiam duas grandes espadas de aço, uma em cada lado do corpo. Sobre seus peitos descansavam enormes arcos e em suas costas, acondicionadas dentro de alforjes se projetavam estranhas flechas cujas pontas eram revestidas com buchas de trapos embebidas em óleo.
Andando pelo meio dos cadáveres mutilados, Telder, um dos guerreiros se espantou ao notar que um velho bárbaro ainda respirava. Isso era algo que em sua vasta experiência ele nunca tinha visto: um sobrevivente.
Minutos depois, Hagnar semi desfalecido era levado até a presença de Godar, o comandante dos Guerreiros de Bronze. Godar era um gigante entre gigantes, loiro e com gélidos olhos azuis, tinha mais de dois metros e meio de altura e sua envergadura era impressionante, seus músculos davam a impressão de terem sido talhados em rocha pura e seu olhar era de uma calma e segurança que somente poucos guerreiros podem ostentar.
- Qual o seu nome, velho saxão? – perguntou Godar.
- Me chamo Hagnar, filho de Hott do clã Holtin. E você?
- Godar, filho de Gumm, do clã Wulff.
- O clã Wulff? Achei que eram uma lenda. Que não existiam realmente.
- Pois saiba que enquanto existir algum Homem-Lobo sobre a terra haverá um Guerreiro de Bronze para caçá-lo. E por Odin, jurei exterminá-los. Agora me diga velho, como conseguiu sobreviver?
- Nem mesmo eu sei Godar, gostaria de dizer que lutei bravamente e os afugentei, mas a verdade é que o ataque foi tão rápido que assim que levantei minha espada perdi o braço direito, tudo que me lembro é de ter caído perto do fogo e pouco antes de desfalecer queimei o pouco do membro que me restou para estancar o sangramento.
- És um homem de coragem velho e vejo que não és um bravateiro. Pois saiba que o que lhe salvou foi ter ficado próximo ao fogo, que é uma das poucas coisas que estas criaturas temem.
- Godar, eles mataram todos os homens e crianças e raptaram as mulheres, não me resta mais nada aqui, quero ir com vocês.
- Somos guerreiros, apesar de respeitar sua coragem não posso levar um velho inválido conosco.
- Também sou um guerreiro e ainda me resta um braço bom, não sou inválido e tudo que peço é poder morrer com honra como meus ancestrais.
- Esta bem velho, que assim seja, mas você tem muito que aprender para combater estas criaturas. – E enquanto Hagnar fazia uma reverência em agradecimento, Godar já gritava para seus homens montarem.
À medida que os dias passavam, ironicamente os papéis se inverteram, agora era Hagnar que ouvia calado em torno da fogueira enquanto o jovem guerreiro lhe contava histórias sangrentas dos Homens-Lobos e ensinava como combatê-los:
“Os Filhos de Fenris são homens amaldiçoados, eles são meio homens e meio lobos, se transformam sempre que querem ou quando se sentem ameaçados. Viram bestas quase invencíveis de mais de três metros de altura, sua ferocidade só é comparável a sua capacidade de atacarem em bando. São nômades e vivem pouco tempo no mesmo lugar, não matam só para se alimentar e sentem prazer em dizimar aldeias inteiras. De tempos em tempos, seqüestram as mulheres e levam para seu covil, lá elas tem um destino pior que a morte, pois são usadas para reprodução ou verdadeiras orgias sexuais. Uma vez atacamos um covil e a cena de horror que vi era inimaginável, mulheres sendo sodomizadas por eles, alguns com aparência humana, outros semi-humanos, enquanto que vários faziam o ato completamente transformados nas vis criaturas que você viu. A grande maioria das mulheres eram dizimadas quando eles atingiam o clímax e as extirpavam com presas e garras, em meio a um horrendo espetáculo de sexo e selvageria.
Apesar de fortes, eles não são invencíveis. O fogo é a melhor arma, mas também é possível matá-los decepando suas cabeças ou trespassando seu coração. O golpe tem que ser certeiro, pois mesmo com membros decepados eles ainda continuam lutando. Esteja certo de uma coisa, você não irá lutar com animais e sim com demônios”.
Quanto mais tempo passavam juntos, mais o respeito mútuo crescia, Hagnar admirava a coragem do jovem guerreiro, enquanto Godar via que apesar de velho, Hagnar ainda possuía uma alma bárbara e indomável. Godar achava que iria morrer jovem em alguma batalha, mas se envelhecesse seria como Hagnar.
Borr, o melhor rastreador dos Guerreiros de Bronze que caminhava a frente dos cavaleiros, agachou-se e ficou vários minutos em silêncio observando o solo e a mata ao redor deles, fazia duas luas que eles seguiam os homens-lobos através da Floresta de Tilgrem. Subitamente Borr levantou-se e com um sorriso no rosto informou a Godar que a matilha estava a menos de uma hora de distância.
- A hora se aproxima meus irmãos, deixem os cavalos pois a partir de agora seguimos a pé – falou Godar enquanto tirava uma enorme lança que estava acondicionada na lateral da sela de sua montaria, gesto que foi automaticamente repetido por todos os guerreiros.
Depois de caminharem algum tempo, atingiram uma enorme clareira na mata, Godar fez sinal para os homens se aproximarem e rapidamente começaram os preparativos para o enfrentamento com os homens-lobos. Hagnar ficou impressionado com a organização e disciplina militar dos Guerreiros de Bronze, em absoluto silêncio, cada um parecia saber exatamente o que precisava fazer, viu eles se dividirem em grupos, alguns com as lanças, outros com grandes quantidades de óleo se afastavam e despejavam o material pelo chão formando um grande círculo. Quando as tarefas pareciam ter acabado se reuniram ao redor de uma pequena fogueira no centro da clareira.
Godar olhou para cada um dos guerreiros e disse que Hagnar, Telder e Borr ficariam com ele próximo a fogueira, os demais deviam tomar suas posições conforme haviam planejado. Após um breve silêncio, orientou Hagnar sobre os cuidados em sua primeira batalha com os Filhos de Fenris:
- Sei que você é um grande guerreiro Hagnar, por isso não vou lhe falar sobre honra e coragem, mas sim sobre o que você vai enfrentar. Eles irão atacar em seguida, ao cair da noite, virão em bando e tentarão nos cercar e atacar pelos flancos. Eles usam sua velocidade para surpreender, portanto não tente usar a espada de imediato, use a lança que vai estar ao seus pés. Lutaremos em dupla, eu e você, um de costas para o outro protegendo nossa retaguarda. Telder e Borr farão o mesmo. Não estaremos sozinhos, os outros guerreiros nos darão proteção.
Levantando sua espada, Godar gritou para os companheiros:
- Mais um dia feliz meus irmãos, pois só coisas boas nos esperam: a glória da vitória ou a honra de morrer em batalha com uma espada nas mãos. Que as Valquírias levem os que tombarem. – depois de também levantarem suas espadas entre gestos e gritos de alegria os homens tomaram seus lugares.
A noite chegou poucos momentos depois, trazendo consigo uma neblina densa. Sentados em torno da fogueira, os homens conversavam sentindo a tensão no ar. Os sons vindos da floresta foram diminuindo gradativamente até restar somente um silêncio mórbido e agourento. Godar murmurou uma praga ininteligível e pôs-se de pé enquanto dizia: é agora. E o inferno desceu sobre a terra.
Vindo de todas as direções, as feras surgiram entre as árvores correndo em uma velocidade impressionante de encontro a eles. Godar permaneceu imóvel por alguns segundos e subitamente levantou a mão direita, automaticamente flechas incandescentes cruzaram a noite encontrando o solo previamente coberto de óleo. As bestas foram engolfadas por um mar de fogo e flechas não paravam de ser lançadas pelos guerreiros posicionados estrategicamente nas árvores que contornavam a grande clareira. Os homens-lobos que haviam conseguido cruzar a armadilha a tempo uivavam ensandecidos ao ver que mais da metade de sua matilha havia sido dizimada. Os oito demônios que restavam estavam encurralados por uma muralha de fogo e direcionaram sua ferocidade para os quatro homens que os encaravam. Hagnar pensou que estavam condenados, mas rapidamente, o restante dos Guerreiros de Bronze, valendo-se de cordas, desceram rapidamente e se alinharam ao seu lado enquanto as feras aturdidas se agrupavam para iniciar o ataque. Segundos depois as bestas atacaram, duas foram empaladas pelas lanças, mas vários guerreiros não foram rápidos o suficiente e tombaram esquartejados ou até mesmo mortalmente feridos simplesmente pelo impacto daquelas grandes massas corporais. Mais uma investida aconteceu e Hagnar fez sua parte ao empalar um dos monstros, mas o ataque acarretou severas baixas para ambos os lados, Telder estava morto e Borr gravemente ferido. O último combate foi o mais sangrento, e quando tudo parecia perdido Godar fez a diferença. Empunhando suas duas espadas com uma habilidade inacreditável acabou sozinho com os dois últimos oponentes.
Após a sangrenta batalha, restaram somente Godar, Borr e Hagnar. Fizerem uma breve prece pelos guerreiros que morreram e seguiram em direção ao covil de Fenris.
- Temos que pegá-lo enquanto esta desprotegido, não podemos lhe dar a chance de criar outra matilha – disse Godar ao chegaram na entrada de uma caverna úmida e fétida.
Seguiram com cuidado, usando tochas para iluminar o caminho enquanto prosseguiam devagar. Fenris estava esperando, cercado por mulheres acorrentadas e que tinham no rosto a face da loucura e do desespero.
- Até que enfim Godar, hoje o destino vai decidir se o bem ou o mal irá triunfar. Esta noite será o fim para um de nossos clãs. – falou Fenris para surpresa e terror de Hagnar.
- Seu reinado de terror termina aqui demônio, fiz este juramento sobre o túmulo de meu pai.
- Seu pai falou palavras parecidas alguns anos atrás, pouco antes de eu experimentar sua carne e tirar sua vida. Não se esqueça que sou um deus, pobre homem tolo.
Os guerreiros atacaram, Hagnar decepou uma das mãos da fera antes de ser atirado longe. Borr, já enfraquecido pela perda de sangue mal conseguia segurar a espada e foi mortalmente ferido. Restaram Fenris e Godar lutando ferozmente, por mais de uma vez somente a incrível habilidade de Godar impediu que fosse destroçado e gradativamente Fenris foi sendo ferido, mas quanto mais durava a luta, mais cansado Godar ia ficando, suas forças estavam se esvaindo e num movimento rápido, Fenris agarrou Godar pelo pescoço e arrancou grande parte do seu ombro esquerdo com suas presas. Quando estava prestes a sucumbir, Borr, com as últimas forças que lhe restavam, veio em seu auxílio e cravou sua lança nas costas de Fenris, com o braço direito Godar atravessou o coração do demônio com sua espada e o viu cair a seus pés com surpresa no olhar.
- Me restam poucos momentos de vida Fenris, não sairei desta caverna mas minha missão esta cumprida. Hagnar vai matar todas as mulheres que levam suas sementes. – disse Godar enquanto agonizava.
Também agonizante, mas entre sorrisos diabólicos Fenris respondeu:
- Pobre Godar, tão tolo, também estou morrendo mas minha semente vai continuar e ainda mais forte, serão diferentes mas nunca deixarão de existir porque a decisão sobre o futuro dos Filhos de Fenris caberá aos homens. – disse Fenris enquanto fechava os olhos pela última vez.
- Hagnar, estou morrendo, jure que vai matar todas estas pobres mulheres e acabar com este mal sobre a terra. – falou Godar enquanto suas poucas forças se esvaiam.
- Eu juro Godar, este inferno acaba aqui. Pode acompanhar as Valquirias em paz. – falou Hagnar enquanto Godar dava seu último suspiro com sua espada na mão.
Hagnar matou todas as mulheres na caverna... Com exceção de uma que tentou mas não conseguiu. Mas como culpá-lo por esta fraqueza? Afinal, quantos pais teriam coragem de matar a própria filha?
E assim morreram os Filhos de Fenris... E assim nasceram os Lobisomens...
Houve uma noite em que José Pedro, que vivia no campo, cuidando de suas ovelhas e plantações, com sua mulher e sua filha, acordou inquieto. Já passava da meia-noite e ele se levantou, ficando rapidamente alerta. A mulher,que dormia ao lado, fitou-o nos olhos e nada disse. Como que para responder a uma pergunta silenciosa, mas, mesmo assim muito eloquente, ele disse:
-Acho que ouvi um barulho. Não sai daí.
A mulher seguiu-o como os olhos, uma expressão de medo neles. José Pedro caminhou pelo corredor estreito e curto e se postou ao lado da porta do quarto da filha. Escutou com calma, mas, desta vez, parecia não haver som algum. Abriu a porta o mais silenciosamente que pôde e caminhou devagar até ficar ao lado de sua cama. Sentia um vago termo, uma impressão indefinível de que alguma coisa estava errada. E de fato estava.
Virando-se para ele subitamente, com os olhos arregalado e um sorriso meio ensandecido, havia um rapaz na cama de sua filha adolescente. Teria mais ou menos a mesma idade dela, quinze anos, e, para acrescentar um toque de bizarro ao que já era assustador, ele estava usando a camisola de dormir da menina, que fora seu presente do aniversário mais recente.
O agricultor saltou para trás soltando um grito. Talvez ele esperasse acordar naquele instante de um pesadelo medonho, mas não foi o que aconteceu. O jovem pôs-se de pé e disse, ainda sorrindo com aquela zombaria mórbida em seu rosto de delinquente:
-Que olhos grandes você tem, papai!
José Pedro demorou para articular a frase, mas ela finalmente saiu:
-O que você fez com a minha filha?
O rapaz apenas continuou sorrindo, e pôs as mãos na cintura, num gesto de petulância e desafio, o agricultor começou a sentir raiva no lugar de medo, e tornando-se visível que o invasor não portava arma nenhuma, gritou, avançando:
-Te fiz uma pergunta! Como é que tu entrou aqui? Onde é que ta minha filha?
-Sua filhinha estava deliciosa, Zé Pedrinho...
Era o apelido entre os amigo. Aquele garoto a conhecia bastante de sua casa e de sua família, era evidente, e agora era necessário agir. Homens como Zé Pedrinho eram de ação e paixão, e de pouco planejamento, e o dono da casa aplicou um soco bem dado na orelha do rapaz, que caiu sem reagir. No chão, apenas murmurou, agora sem sorrir:
-Mãozinha pesada...
A resposta de Zé Pedrinho foi um chute entre as pernas do jovem caído, que emitiu um gemido baixinho, e, lentamente, se pôs de joelhos, apoiando a cabeça no chão. Era um jovem magro e pálido, e não havia dúvida de que o homem do campo, com seu corpanzil largo e forte, podia manter a situação sob controle, em sua fúria crescente:
-Responde o que eu te perguntei!
-A porta estava aberta...
-Quê?!
-Perguntou como eu entrei. A porta estava aberta.
Aquilo era demais. Como é que alguém naquela situação podia estar brincando?! Só se... sim, era isso, ele não estava sozinho! Havia outros do lado de fora! Outros delinquentes sem respeito pela casa dos outros nem pelos mais velhos! O medo voltava. Zé Pedrinho levantou o invasor do chão pelos cabelos e torceu seu braço atrás das costas. Enfiou sua cara na parede do quarto, emitindo baque. Em nenhum momento o jovem reagiu ou se queixou. Apenas comentou, com sangue escorrendo da boca e do nariz:
-É fácil ser valente com alguém com metade do seu tamanho, né?
-Quantos vocês são? Fala! Tem mais alguém contigo? Fala senão eu quebro teu braço, moleque!
-Eu to sozinho... e vou sair daqui sozinho.
-Duvido!
-Então quebra meu braço. É divertido machucar quem é mais fraco...
Zé Pedrinho ficou sem fala. Jogou o garoto no chão, houve um estalo, talvez da madeira, talvez das suas costelas. Ele franziu os olhos de dor, mas esboçou um sorrisinho. Olhou por cima do ombro do homem e disse:
-Oi, dona Lourdes, tudo bem com a senhora?
Zé Pedrinho voltou-se para trás, a mulher estava no corredor, de camisola e com o rosto mais branco que cera de vela. Muda de horror e espanto.
-Tu conhece esse sujeito, mulher?!
-Cadê a Juliana? Cadê a nossa filha?
-Tu conhece esse bosta?! Me responde, antes que eu...
-Cuidado, ele se levantou!!
Em pé e totalmente composto, a não ser pelo sangue no rosto, o invasor olhava para os dois, inexpressivo.
-Não. Ela não me conhece.
A resposta de Zé Pedrinho foi um murro no rosto, que desequilibrou o invasor, e um segundo no estomago, que o colocou sentado sobre a cama da menina. Lourdes começou a choramingar e a tremer. Enquanto apertava o pescoço do rapaz, Zé Pedrinho gritou:
-Te mexe, sua anta! Vai buscar minha arma! Esse desgraçado sumiu com a Juliana! Eu vou fazer ele falar...
A mulher correu, chorando alto agora. O invasor estava com os olhos esbugalhados e o rosto vermelho, e as mãos cerradas ao redor dos pulsos do dono da casa. Seus olhos encontravam os do agressor e, mesmo no domínio da situação, José Pedro sentia ainda um pouco de medo. Aqueles olhos eram perturbadores. Não havia medo, nem respeito, nem dor neles.
Talvez houvesse ódio. Com certeza havia malícia.
-Agora me responde, antes que eu te quebre o pescoço... o que é que tu fez com a minha filha, animal? – disse o homem, afrouxando levemente a pressão.
Num fio de voz, o rapaz respondeu:
-Nada... que ela não...quisesse...
Subitamente, o jovem franzino revelou uma força insuspeitada, arrancou as mãos de Zé Pedrinho do pescoço e, durante o breve momento de espanto que isso causou, repeliu-o com um pé. Não foi sequer um chute, apenas um empurrão, e o homem de noventa quilos foi parar na parede às suas costas. Suas costelas estalaram na tábua e ele caiu.
Quando começou a se levantar, o jovem já estava de pé, tocando levemente as marca que havia em seu pescoço. Não havia mais sorriso nem gracejo no olhar. Seu rosto, o rosto de um fedelho de quinze anos, petulante e sereno, era pura determinação e ódio. Um ódio frio e adornado de segurança.
Zé Pedrinho sentiu medo. Mais do que achava que podia sentir de outro homem.
-É diferente quando alguém reage, né? – disse o rapaz, numa atitude meditativa – Acho que você não ta acostumado.
Deu um passo inofensivo na direção do homem. Foi o suficiente, pois, evitando aqueles olhos a qualquer custo, o agricultor se colocou de pé aos tropeços e correu para fora do quarto. Encontrou a mulher, de rosto vermelho, parecendo em choque, com a velha espingarda nas mãos. Tomou-a num gesto relâmpago e engatilhou. Tinha o costume de guardar carregada.
O garoto de camisola surgiu na porta do quarto. Sorriu mais uma vez. Seu andar não dava nenhum sinal de que tinha levado uma surra.
-Atira, covarde. Me dá mais um motivo.
Por puro instinto, Zé Pedrinho disparou. No terror sobrenatural que aquele sujeito lhe inspirava, ele chegou a acreditar que o chumbo iria ricochetear em seu peito, apenas estragando o presente de Juliana, que ele agora usava, e que ele ia continuar avançando. Chegou a antecipar suas gargalhadas.....
Depois de ter relatado a todos que ali se encontravam, um silêncio mortal imperava no meio da turma. Foi então que o Mineiro voltou a falar:
- Gente meu cão foi morto por alguma coisa que eu não conheço, o meu cão favorito! Quanto a vocês ão sei, mas eu vou atrás até encontra-lo e vou matar esse bicho, há se vou!
Conforme o Mineiro ia falando notava-se claramente em seus olhos, a raiva que sentia por ter perdido seu cão e uma coisa nós já sabíamos, a coragem que este homem têm.
- Quem vem comigo?? Gritou Mineiro. Dos muitos que ali se encontravam, não havia um que se oferecesse a ir. Muito Bem, eu irei, falei e em seguida o Tuta e o Celino também, o Marcos e o Maranhão e mais ninguém, todos davam alguma desculpa para não ir.
Então perguntei ao Mineiro o que deveríamos levar para esta perseguição. Ficou mudo por alguns instantes e falou:
- Cada um deve levar sua espingarda e uma espécie de sacola de pano com alças, com muito cartucho, também faroletes, facão e fósforos.
Todos que se dispuseram a ir tinham espingarda calibre 12" cano duplo, o que era normal naquela região.De tudo o que íamos levar eu concordava, mas uma coisa me chamou a atenção, o porque de levar fósforos? Não discuti e nem falei nada simplesmente aceitei.
- Olha o João, falou o Arceu: Não é melhor deixar para lá e a gente ir vivendo a nossa vida como sempre?
- Não, retrucou o João Mineiro. Tenho crianças e as minhas criações, não vou viver igual a tatu enfiado num buraco só saindo quando chove. Vou atrás sim!
Depois deste pequeno debate, todos voltaram para suas casas, os que não queriam ir, acendiam luzes de fora de casa, como se assim espantasse alguma coisa e os que iriam a caça se preparavam como o João havia falado.
Os seis caçadores já estavam na casa do João, todos com seus cães e suas armas, e antes de sairmos houve um breve pausa para orações. Para mim tudo era novidade, sair a noite, caçar o que não se conhece... para quem não sabe, o mato, a noite, guarda mistérios que nem se imagina.
A tensão era grande, mas a curiosidade era maior, eu queria saber o que era, como era e se de fato existia coisa igual, confesso que tremia, e se ninguém fosse com o João eu iria, porque eu nunca tinha visto alguém com tanta coragem como este homem.
Os cães a frente iam latindo e farejando o caminho em que a criatura passou, de repente os cães silenciaram, o João se abaixou e ficou em posição de tiro o nós seguimos de pronto, apontou o dedo para mim e com gestos com a mão me chamou.
Fui até ele e sussurrando me falou:
- Que que você Lafér, pegue seus cães e vá para o lado esquerdo a uns 20 metros de distância, e quando você ouvir um assovio longo, solte os cães, um curto e um longo, vá para frente e quatro assovios curtos aproxima-se para perto de mim a 2 metros, lógico que sempre assoviando, para que não aconteça nenhum acidente, tá certo?
Respondi que sim, apesar de estar com medo.
Era ordem foi dada a todos. Então ficamos da seguinte maneira, do João para a esquerda coim 20 metros de distância um do outro ficou eu (Lafér) e a 20 metros a minha esquerda o Maranhão, do João para a direita ficou o Celino e o Tuta, claro, todos com cães fortes, ferozes e da caça Perdigueiro e Sabujo.Um assovio longo ecoou pela mata a dentro, soltei meus cães e assim todos fizeram a mesma coisa.
Os cães se embrenharam pela mata a dentro latindo fazendo um zoado que dava medo, e assim foi até que o latido dos cães foram sumindo, ficando mais longe. O breu e o silêncio agora era mortal, um assobio curto seguido de um longo era o sinal para que fossemos a frente em direção aos cães.
Andamos por quase uma hora quando ouvi quatro assovios curtos o que significava que tinhamos de nos reagrupar.
Dei graças a Deus, pois já não aguentava mais tanta ansiedade.. por encontrar ou não a criatura.
Com todos juntos o João disse:
- Pessoal quero que vocês prestem atenção e por favor não acendam o farolete. Fiquem todos quietos, veem aquele arbusto a nossa frente? Pois bem, ele esta se mexendo, mas não se assustem, tenho certeza de que não é a coisa, pois se fosse teria nos atacado. Celino de a volta pela minha esquerda e vá em direção ao arbusto. Maranhão pela direita e eu vou pelo meio, Lafér e Tuta deem cobertura, mas jamais atirem...
Os três chegaram juntos quase que simultaneamente, naquele instante todos estavam com os nervos a flor da pele, foi então que o João acendeu o farolete e falando normalmente nos chamou:
- Podem vir agora. Vejam o que aconteceu atrás do arbusto!
Quando o foco do farol bateu em cima, percebi que o que mexia aquele arbusto eram alguns cães, todos em pedaços como se tivessem sido rasgados, igual se rasga um pedaço de pano velho.
-Vocês conseguem identificar os cães? Falou João.
O Celino olhou e reconheceu um, o Tuta também, esta mais emotivo chorou. O Maranhão para dar forças aos amigos disse:
- Ô gente isso é só cachorro! A gente arruma outro sô! Vamos pegar esse bicho antes que ele faça isso com alguém.
- Ta certo. Respondeu Tuta. Eram só cães, mas eu gostava muito dos meus cães, e não é por nada não, mas para arrebentar o Brutos, essa coisa deve ter uma força descomunal, e eu confesso que to com medo e vou voltar. Alguém de vocês quer vir comigo? Perguntou.
Vou com você, respondeu o Celino. O João me desculpa, mas minha coragem acabou aqui. Perdi dois cães e o tuta tem razão pra fazer isso com os cães heim? Nem onça faz!
O João pensou um pouco e com calma falou aos amigos:
- Olha gente, vocês tem razão, não é fácil não, quem quiser pode voltar, não vou achar ruim, mas eu não volto, vou até o fim. Maranhão, Lafér se quiserem pode voltar.
-De jeito Nenhum! Vou com você onde você for. Retrucou Maranhão.
- Estou com vocês também! Falou Lafér.
E continuamos a perseguir a Besta noite a dentro, mata a fora.
Já cansado de tanto andar, quase por, desistir. De súbito um vivado alto e forte bem a nossa frente fez com que meu sangue congelasse em minhas veias, imediatamente nós três no munimos de armas em punho, prontas para serem acionadas.
Gente não tenha medo de economizar munição não, atirem a vontade, falou o João.
De repente como vindo do nada, saltou em nossa frente uma criatura grande e forte, não tenho como descreve-la bem, pois a madrugada era nua e escura, apesar da lua cheia clarear todo o sertão, onde estávamos era mata fechada, o que impedia que a claridade chegasse até nós.
Acendemos os faróis e conforme atirávamos, sem sucesso mais uma vez a coisa conseguiu escapar.Um rastro de sangue corria em direção a uma colina, chamei então os dois companheiros e mostrei o sangue no chão.
Beleza! Gritou o João, então acertamos, agora vamos seguir estas marcas de sangue e pega-lo sem piedade.Fomos então em direção a colina, caminhamos por mais uma hora quando atingimos o topo, avistamos bem ao pé da colina um pequeno casebre que se escondia entre a penumbra e a claridade da lua. Os rastros de sangue dirigiam-se em sua direção o que nos levava a crer que aquele casebre era a morada da coisa.
O purpuro róseo anunciava-se no horizonte, o dia estava prestes a nascer, descendo colina abaixo, respiração ofegante, o cansaço ja nós dominava por completo, minhas pernas caminhavam levando meu corpo, o raciocínio estava mais lento.
Chegamos em fim ao nosso destino, o casebre estava aos pedaços, reboco caindo, suas portas batendo e janelas eram no estilo colonial antigo, tudo lavrado a machado, provavelmente por escravos, seguimos as marcas de sangue até uma das janelas da casa na parte dos fundos, esta encontrava-se trancada mas as marcas de sangue iam até o seu batente, o João chamou o maranhão e disse:
- O maranhão, você fica aqui de olho nesta janela, o que se mexer, se for gente, bicho ou sei lá o que for, atire! Não deixe escapar, eu e o Lafér vamos pela frente.
- Tá certo, respondeu o Maranhão.
- Lafér, vou entrar rasgando, você vem atrás pronto para atirar, tudo bem?
- Ok, respondi.
Então João arremessou seu corpo sobre a porta, o que fez com que esta caísse no chão, entrei logo atrás, la dentro um casal de velhinhas tomava o café matinal, quase morreram de susto.
- Minha mãe, o que esta acontecendo? Perguntou a senhora.
Fiquem tranquilas, falou o João, e continuou. Eu só quero a besta que vagueia pela noite e matou os nossos cães.
- Por favor, não matem meu filho, ele não tem culpa de ser assim!
- Onde ele está? Perguntou João.
- Ele esta no quarto, segunda porta do corredor a direita, mas não machuquem meu filho.
- No quarto todo ensanguentado, havia um homem comum, roupas rasgadas e gemendo de dor deitado na cama.
O João apontou a espingarda na cabeça, puxou os dois cães, ia atirar, quando a velhinha implorando pela vida do filho falou:
- Pelo amor de Jesus Cristo, não faça isso, só ele pode nos ajudar, postada de joelhos aos pés do João continuando a implorar pela vida do filho.
Com um grito de raivam empurrou a velha, pegou pelos colarinhos o homem que agonizava junto a cama, pois o calibre 12 no ouvido do malogro e falou em alto e bom tom:
- Presta atenção no que vou te dizer, agradeça a sua mãe por eu não te matar, mas vou falar só uma vez, se acaso você aparecer lá para os nossos lados, fique sabendo que vou voltar aqui além de te matar, vou matar também estas duas velhas, portanto nunca mais apareça por lá!
PS: Cinco anos depois, voltei ao local da caçada.
Uma empreiteira desmatava o lugar, perguntei ao capataz se ele não tinha visto uma casa por ali. Ele me respondou que não, mas o pessoal jurava que nas noites de lua cheia um lobo anda uivando e arranhandoa porta do alojamento e alguns minutos depois a voz de uma senhora falava:
- Vem com a mamãe meu filho, vamos descansar, tá na nossa hora, vêm!
-Acho que ouvi um barulho. Não sai daí.
A mulher seguiu-o como os olhos, uma expressão de medo neles. José Pedro caminhou pelo corredor estreito e curto e se postou ao lado da porta do quarto da filha. Escutou com calma, mas, desta vez, parecia não haver som algum. Abriu a porta o mais silenciosamente que pôde e caminhou devagar até ficar ao lado de sua cama. Sentia um vago termo, uma impressão indefinível de que alguma coisa estava errada. E de fato estava.
Virando-se para ele subitamente, com os olhos arregalado e um sorriso meio ensandecido, havia um rapaz na cama de sua filha adolescente. Teria mais ou menos a mesma idade dela, quinze anos, e, para acrescentar um toque de bizarro ao que já era assustador, ele estava usando a camisola de dormir da menina, que fora seu presente do aniversário mais recente.
O agricultor saltou para trás soltando um grito. Talvez ele esperasse acordar naquele instante de um pesadelo medonho, mas não foi o que aconteceu. O jovem pôs-se de pé e disse, ainda sorrindo com aquela zombaria mórbida em seu rosto de delinquente:
-Que olhos grandes você tem, papai!
José Pedro demorou para articular a frase, mas ela finalmente saiu:
-O que você fez com a minha filha?
O rapaz apenas continuou sorrindo, e pôs as mãos na cintura, num gesto de petulância e desafio, o agricultor começou a sentir raiva no lugar de medo, e tornando-se visível que o invasor não portava arma nenhuma, gritou, avançando:
-Te fiz uma pergunta! Como é que tu entrou aqui? Onde é que ta minha filha?
-Sua filhinha estava deliciosa, Zé Pedrinho...
Era o apelido entre os amigo. Aquele garoto a conhecia bastante de sua casa e de sua família, era evidente, e agora era necessário agir. Homens como Zé Pedrinho eram de ação e paixão, e de pouco planejamento, e o dono da casa aplicou um soco bem dado na orelha do rapaz, que caiu sem reagir. No chão, apenas murmurou, agora sem sorrir:
-Mãozinha pesada...
A resposta de Zé Pedrinho foi um chute entre as pernas do jovem caído, que emitiu um gemido baixinho, e, lentamente, se pôs de joelhos, apoiando a cabeça no chão. Era um jovem magro e pálido, e não havia dúvida de que o homem do campo, com seu corpanzil largo e forte, podia manter a situação sob controle, em sua fúria crescente:
-Responde o que eu te perguntei!
-A porta estava aberta...
-Quê?!
-Perguntou como eu entrei. A porta estava aberta.
Aquilo era demais. Como é que alguém naquela situação podia estar brincando?! Só se... sim, era isso, ele não estava sozinho! Havia outros do lado de fora! Outros delinquentes sem respeito pela casa dos outros nem pelos mais velhos! O medo voltava. Zé Pedrinho levantou o invasor do chão pelos cabelos e torceu seu braço atrás das costas. Enfiou sua cara na parede do quarto, emitindo baque. Em nenhum momento o jovem reagiu ou se queixou. Apenas comentou, com sangue escorrendo da boca e do nariz:
-É fácil ser valente com alguém com metade do seu tamanho, né?
-Quantos vocês são? Fala! Tem mais alguém contigo? Fala senão eu quebro teu braço, moleque!
-Eu to sozinho... e vou sair daqui sozinho.
-Duvido!
-Então quebra meu braço. É divertido machucar quem é mais fraco...
Zé Pedrinho ficou sem fala. Jogou o garoto no chão, houve um estalo, talvez da madeira, talvez das suas costelas. Ele franziu os olhos de dor, mas esboçou um sorrisinho. Olhou por cima do ombro do homem e disse:
-Oi, dona Lourdes, tudo bem com a senhora?
Zé Pedrinho voltou-se para trás, a mulher estava no corredor, de camisola e com o rosto mais branco que cera de vela. Muda de horror e espanto.
-Tu conhece esse sujeito, mulher?!
-Cadê a Juliana? Cadê a nossa filha?
-Tu conhece esse bosta?! Me responde, antes que eu...
-Cuidado, ele se levantou!!
Em pé e totalmente composto, a não ser pelo sangue no rosto, o invasor olhava para os dois, inexpressivo.
-Não. Ela não me conhece.
A resposta de Zé Pedrinho foi um murro no rosto, que desequilibrou o invasor, e um segundo no estomago, que o colocou sentado sobre a cama da menina. Lourdes começou a choramingar e a tremer. Enquanto apertava o pescoço do rapaz, Zé Pedrinho gritou:
-Te mexe, sua anta! Vai buscar minha arma! Esse desgraçado sumiu com a Juliana! Eu vou fazer ele falar...
A mulher correu, chorando alto agora. O invasor estava com os olhos esbugalhados e o rosto vermelho, e as mãos cerradas ao redor dos pulsos do dono da casa. Seus olhos encontravam os do agressor e, mesmo no domínio da situação, José Pedro sentia ainda um pouco de medo. Aqueles olhos eram perturbadores. Não havia medo, nem respeito, nem dor neles.
Talvez houvesse ódio. Com certeza havia malícia.
-Agora me responde, antes que eu te quebre o pescoço... o que é que tu fez com a minha filha, animal? – disse o homem, afrouxando levemente a pressão.
Num fio de voz, o rapaz respondeu:
-Nada... que ela não...quisesse...
Subitamente, o jovem franzino revelou uma força insuspeitada, arrancou as mãos de Zé Pedrinho do pescoço e, durante o breve momento de espanto que isso causou, repeliu-o com um pé. Não foi sequer um chute, apenas um empurrão, e o homem de noventa quilos foi parar na parede às suas costas. Suas costelas estalaram na tábua e ele caiu.
Quando começou a se levantar, o jovem já estava de pé, tocando levemente as marca que havia em seu pescoço. Não havia mais sorriso nem gracejo no olhar. Seu rosto, o rosto de um fedelho de quinze anos, petulante e sereno, era pura determinação e ódio. Um ódio frio e adornado de segurança.
Zé Pedrinho sentiu medo. Mais do que achava que podia sentir de outro homem.
-É diferente quando alguém reage, né? – disse o rapaz, numa atitude meditativa – Acho que você não ta acostumado.
Deu um passo inofensivo na direção do homem. Foi o suficiente, pois, evitando aqueles olhos a qualquer custo, o agricultor se colocou de pé aos tropeços e correu para fora do quarto. Encontrou a mulher, de rosto vermelho, parecendo em choque, com a velha espingarda nas mãos. Tomou-a num gesto relâmpago e engatilhou. Tinha o costume de guardar carregada.
O garoto de camisola surgiu na porta do quarto. Sorriu mais uma vez. Seu andar não dava nenhum sinal de que tinha levado uma surra.
-Atira, covarde. Me dá mais um motivo.
Por puro instinto, Zé Pedrinho disparou. No terror sobrenatural que aquele sujeito lhe inspirava, ele chegou a acreditar que o chumbo iria ricochetear em seu peito, apenas estragando o presente de Juliana, que ele agora usava, e que ele ia continuar avançando. Chegou a antecipar suas gargalhadas.....
Depois de ter relatado a todos que ali se encontravam, um silêncio mortal imperava no meio da turma. Foi então que o Mineiro voltou a falar:
- Gente meu cão foi morto por alguma coisa que eu não conheço, o meu cão favorito! Quanto a vocês ão sei, mas eu vou atrás até encontra-lo e vou matar esse bicho, há se vou!
Conforme o Mineiro ia falando notava-se claramente em seus olhos, a raiva que sentia por ter perdido seu cão e uma coisa nós já sabíamos, a coragem que este homem têm.
- Quem vem comigo?? Gritou Mineiro. Dos muitos que ali se encontravam, não havia um que se oferecesse a ir. Muito Bem, eu irei, falei e em seguida o Tuta e o Celino também, o Marcos e o Maranhão e mais ninguém, todos davam alguma desculpa para não ir.
Então perguntei ao Mineiro o que deveríamos levar para esta perseguição. Ficou mudo por alguns instantes e falou:
- Cada um deve levar sua espingarda e uma espécie de sacola de pano com alças, com muito cartucho, também faroletes, facão e fósforos.
Todos que se dispuseram a ir tinham espingarda calibre 12" cano duplo, o que era normal naquela região.De tudo o que íamos levar eu concordava, mas uma coisa me chamou a atenção, o porque de levar fósforos? Não discuti e nem falei nada simplesmente aceitei.
- Olha o João, falou o Arceu: Não é melhor deixar para lá e a gente ir vivendo a nossa vida como sempre?
- Não, retrucou o João Mineiro. Tenho crianças e as minhas criações, não vou viver igual a tatu enfiado num buraco só saindo quando chove. Vou atrás sim!
Depois deste pequeno debate, todos voltaram para suas casas, os que não queriam ir, acendiam luzes de fora de casa, como se assim espantasse alguma coisa e os que iriam a caça se preparavam como o João havia falado.
Os seis caçadores já estavam na casa do João, todos com seus cães e suas armas, e antes de sairmos houve um breve pausa para orações. Para mim tudo era novidade, sair a noite, caçar o que não se conhece... para quem não sabe, o mato, a noite, guarda mistérios que nem se imagina.
A tensão era grande, mas a curiosidade era maior, eu queria saber o que era, como era e se de fato existia coisa igual, confesso que tremia, e se ninguém fosse com o João eu iria, porque eu nunca tinha visto alguém com tanta coragem como este homem.
Os cães a frente iam latindo e farejando o caminho em que a criatura passou, de repente os cães silenciaram, o João se abaixou e ficou em posição de tiro o nós seguimos de pronto, apontou o dedo para mim e com gestos com a mão me chamou.
Fui até ele e sussurrando me falou:
- Que que você Lafér, pegue seus cães e vá para o lado esquerdo a uns 20 metros de distância, e quando você ouvir um assovio longo, solte os cães, um curto e um longo, vá para frente e quatro assovios curtos aproxima-se para perto de mim a 2 metros, lógico que sempre assoviando, para que não aconteça nenhum acidente, tá certo?
Respondi que sim, apesar de estar com medo.
Era ordem foi dada a todos. Então ficamos da seguinte maneira, do João para a esquerda coim 20 metros de distância um do outro ficou eu (Lafér) e a 20 metros a minha esquerda o Maranhão, do João para a direita ficou o Celino e o Tuta, claro, todos com cães fortes, ferozes e da caça Perdigueiro e Sabujo.Um assovio longo ecoou pela mata a dentro, soltei meus cães e assim todos fizeram a mesma coisa.
Os cães se embrenharam pela mata a dentro latindo fazendo um zoado que dava medo, e assim foi até que o latido dos cães foram sumindo, ficando mais longe. O breu e o silêncio agora era mortal, um assobio curto seguido de um longo era o sinal para que fossemos a frente em direção aos cães.
Andamos por quase uma hora quando ouvi quatro assovios curtos o que significava que tinhamos de nos reagrupar.
Dei graças a Deus, pois já não aguentava mais tanta ansiedade.. por encontrar ou não a criatura.
Com todos juntos o João disse:
- Pessoal quero que vocês prestem atenção e por favor não acendam o farolete. Fiquem todos quietos, veem aquele arbusto a nossa frente? Pois bem, ele esta se mexendo, mas não se assustem, tenho certeza de que não é a coisa, pois se fosse teria nos atacado. Celino de a volta pela minha esquerda e vá em direção ao arbusto. Maranhão pela direita e eu vou pelo meio, Lafér e Tuta deem cobertura, mas jamais atirem...
Os três chegaram juntos quase que simultaneamente, naquele instante todos estavam com os nervos a flor da pele, foi então que o João acendeu o farolete e falando normalmente nos chamou:
- Podem vir agora. Vejam o que aconteceu atrás do arbusto!
Quando o foco do farol bateu em cima, percebi que o que mexia aquele arbusto eram alguns cães, todos em pedaços como se tivessem sido rasgados, igual se rasga um pedaço de pano velho.
-Vocês conseguem identificar os cães? Falou João.
O Celino olhou e reconheceu um, o Tuta também, esta mais emotivo chorou. O Maranhão para dar forças aos amigos disse:
- Ô gente isso é só cachorro! A gente arruma outro sô! Vamos pegar esse bicho antes que ele faça isso com alguém.
- Ta certo. Respondeu Tuta. Eram só cães, mas eu gostava muito dos meus cães, e não é por nada não, mas para arrebentar o Brutos, essa coisa deve ter uma força descomunal, e eu confesso que to com medo e vou voltar. Alguém de vocês quer vir comigo? Perguntou.
Vou com você, respondeu o Celino. O João me desculpa, mas minha coragem acabou aqui. Perdi dois cães e o tuta tem razão pra fazer isso com os cães heim? Nem onça faz!
O João pensou um pouco e com calma falou aos amigos:
- Olha gente, vocês tem razão, não é fácil não, quem quiser pode voltar, não vou achar ruim, mas eu não volto, vou até o fim. Maranhão, Lafér se quiserem pode voltar.
-De jeito Nenhum! Vou com você onde você for. Retrucou Maranhão.
- Estou com vocês também! Falou Lafér.
E continuamos a perseguir a Besta noite a dentro, mata a fora.
Já cansado de tanto andar, quase por, desistir. De súbito um vivado alto e forte bem a nossa frente fez com que meu sangue congelasse em minhas veias, imediatamente nós três no munimos de armas em punho, prontas para serem acionadas.
Gente não tenha medo de economizar munição não, atirem a vontade, falou o João.
De repente como vindo do nada, saltou em nossa frente uma criatura grande e forte, não tenho como descreve-la bem, pois a madrugada era nua e escura, apesar da lua cheia clarear todo o sertão, onde estávamos era mata fechada, o que impedia que a claridade chegasse até nós.
Acendemos os faróis e conforme atirávamos, sem sucesso mais uma vez a coisa conseguiu escapar.Um rastro de sangue corria em direção a uma colina, chamei então os dois companheiros e mostrei o sangue no chão.
Beleza! Gritou o João, então acertamos, agora vamos seguir estas marcas de sangue e pega-lo sem piedade.Fomos então em direção a colina, caminhamos por mais uma hora quando atingimos o topo, avistamos bem ao pé da colina um pequeno casebre que se escondia entre a penumbra e a claridade da lua. Os rastros de sangue dirigiam-se em sua direção o que nos levava a crer que aquele casebre era a morada da coisa.
O purpuro róseo anunciava-se no horizonte, o dia estava prestes a nascer, descendo colina abaixo, respiração ofegante, o cansaço ja nós dominava por completo, minhas pernas caminhavam levando meu corpo, o raciocínio estava mais lento.
Chegamos em fim ao nosso destino, o casebre estava aos pedaços, reboco caindo, suas portas batendo e janelas eram no estilo colonial antigo, tudo lavrado a machado, provavelmente por escravos, seguimos as marcas de sangue até uma das janelas da casa na parte dos fundos, esta encontrava-se trancada mas as marcas de sangue iam até o seu batente, o João chamou o maranhão e disse:
- O maranhão, você fica aqui de olho nesta janela, o que se mexer, se for gente, bicho ou sei lá o que for, atire! Não deixe escapar, eu e o Lafér vamos pela frente.
- Tá certo, respondeu o Maranhão.
- Lafér, vou entrar rasgando, você vem atrás pronto para atirar, tudo bem?
- Ok, respondi.
Então João arremessou seu corpo sobre a porta, o que fez com que esta caísse no chão, entrei logo atrás, la dentro um casal de velhinhas tomava o café matinal, quase morreram de susto.
- Minha mãe, o que esta acontecendo? Perguntou a senhora.
Fiquem tranquilas, falou o João, e continuou. Eu só quero a besta que vagueia pela noite e matou os nossos cães.
- Por favor, não matem meu filho, ele não tem culpa de ser assim!
- Onde ele está? Perguntou João.
- Ele esta no quarto, segunda porta do corredor a direita, mas não machuquem meu filho.
- No quarto todo ensanguentado, havia um homem comum, roupas rasgadas e gemendo de dor deitado na cama.
O João apontou a espingarda na cabeça, puxou os dois cães, ia atirar, quando a velhinha implorando pela vida do filho falou:
- Pelo amor de Jesus Cristo, não faça isso, só ele pode nos ajudar, postada de joelhos aos pés do João continuando a implorar pela vida do filho.
Com um grito de raivam empurrou a velha, pegou pelos colarinhos o homem que agonizava junto a cama, pois o calibre 12 no ouvido do malogro e falou em alto e bom tom:
- Presta atenção no que vou te dizer, agradeça a sua mãe por eu não te matar, mas vou falar só uma vez, se acaso você aparecer lá para os nossos lados, fique sabendo que vou voltar aqui além de te matar, vou matar também estas duas velhas, portanto nunca mais apareça por lá!
PS: Cinco anos depois, voltei ao local da caçada.
Uma empreiteira desmatava o lugar, perguntei ao capataz se ele não tinha visto uma casa por ali. Ele me respondou que não, mas o pessoal jurava que nas noites de lua cheia um lobo anda uivando e arranhandoa porta do alojamento e alguns minutos depois a voz de uma senhora falava:
- Vem com a mamãe meu filho, vamos descansar, tá na nossa hora, vêm!
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